17.12.06

Se depois

dezembro, e a chuva cai, cai-nos, e o frio entra, entra-nos, sim eu sei, a casa onde vivemos jamais é casa, jamais vivemos eu sei, mas se ao menos o dezembro acabasse, a chuva parasse, e o frio morresse, ao menos, aí saberia que casa é esta, ao menos saberia que casa é a minha,
minha. Se.

Molero

12.12.06

Brumas

O primeiro sol que entra,
sinto a amarela luz que esvoaça
gosto de sentir o açucar da língua roçar,
não a de carne, não a que mexe,
a língua que dançou com Camões,
gosto de sentir a dança por entre os dedos,
não a da carne, não a dos corpos,
a língua que dançou com Camões,
gosto de sentir o mel dos refrões,
sentir o leito das rimas,
não o dos rios, não o das águas,
a língua que dançou com Camões,
e quem nunca dançou com ela?
quem?
e quem nunca derramou no açucar da língua?
quem?
e quem nunca remou nos rios, nas águas?
quem?
não a água da água, nem os rios dos rios
mas a língua que dançou com Camões,
que numa dança de amarelos e vermelhos
que num esvoaçar de pássaro entre rimas
que num pingar de doce entre vírgulas
que num sussurar de primeira luz que entra
livros,
fado,
gomes-de-sá,
o medo de existir a zurzir-nos por dentro,
sabor a recado,
(e quem nunca derramou no açucar da língua?)
vermelho,
verde,
heróis de um mar outro,
o sabor que ferve,
levantai de novo hoje,
os livros, o fado
levantai de novo hoje,
o segredo que foge,
que num dançar de pássaro ainda se levanta por aqui
a derradeira enveja.

Molero

4.12.06

Se

novembro, e se um dia, dissolvido entre tantos outros, ao fechares os olhos vagarosamente como crocodilos de molho, como folhas que caem aos pés e beijos na noite dos silêncios, se ainda nesse dia me vires escorrer-te pelas pestanas abaixo, às pingas, às pingas, nesse dia dissolvido num novembro qualquer poderei dizer que te sinto nos meus lábios como dantes, como dantes.

Molero