12.12.06

Brumas

O primeiro sol que entra,
sinto a amarela luz que esvoaça
gosto de sentir o açucar da língua roçar,
não a de carne, não a que mexe,
a língua que dançou com Camões,
gosto de sentir a dança por entre os dedos,
não a da carne, não a dos corpos,
a língua que dançou com Camões,
gosto de sentir o mel dos refrões,
sentir o leito das rimas,
não o dos rios, não o das águas,
a língua que dançou com Camões,
e quem nunca dançou com ela?
quem?
e quem nunca derramou no açucar da língua?
quem?
e quem nunca remou nos rios, nas águas?
quem?
não a água da água, nem os rios dos rios
mas a língua que dançou com Camões,
que numa dança de amarelos e vermelhos
que num esvoaçar de pássaro entre rimas
que num pingar de doce entre vírgulas
que num sussurar de primeira luz que entra
livros,
fado,
gomes-de-sá,
o medo de existir a zurzir-nos por dentro,
sabor a recado,
(e quem nunca derramou no açucar da língua?)
vermelho,
verde,
heróis de um mar outro,
o sabor que ferve,
levantai de novo hoje,
os livros, o fado
levantai de novo hoje,
o segredo que foge,
que num dançar de pássaro ainda se levanta por aqui
a derradeira enveja.

Molero