26.11.06

Cesariny disse

Entre o sonho e a cegueira há gritos surdos
entre mim e tua boca há lobos que cirandam
e calados, uivando, segredam o caminho da morte
no negro mais negro que em nós se esconde
entre o sonho e a cegueira há lava ardente
há espaços cheios de espinhos gume acima
há veneno no sangue dos braços, das mãos que não abrem
e cadeiras onde se sentam os ponteiros
do relógio parado, morto, esperando o tempo

Nas camas que habitamos
há sonhos de branco há sonhos de negro
há pessoas uivando, que uivam para nós
e outras, caladas, que adiaram de viver
há pessoas negras como lobos
e há pessoas mortas vivendo,
no seu relógio parado, morto, esperando o tempo

Entre o sonho e a cegueira, tristemente,
as mãos e os lobos se calaram
E as palavras sombrias não gritam mais
palavras que nos cortam os braços, as mãos que não abrem
palavras escusas palavras pretas
palavras sombrias como cemitérios de noite
porque já não nos uivam os lobos que volteiam
e só todos os segredos e todas as palavras
e todos os braços do sonho a uivar bem alto
mais alto do que o veneno comendo os braços e as mãos
no negro mais negro que em nós se guarda
só espinhos só sangue só sonhos e trevas

Entre o sonho e a cegueira há gritos surdos, há,
e entre o sonho e a cegueira, os lobos uivam.

Molero

(adaptação do poema you are welcome to elsinore de Mário de Cesariny em homenagem à sua obra)